Lapinha Museu Vivo
O evento do Lapinha Museu Vivo nasceu da atitude insurgente e inconformada dos discípulos de Mestre João Angoleiro, um dos mais importantes mestres de tradição de Belo Horizonte, diante da exclusão de artistas, de temáticas e de público dos festivais que aconteciam na capital, a exemplo do Festival de Arte Negra (FAN). Diante disso e da invisibilidade dos mestres de tradição, incluindo Mestre João Angoleiro, seu grupo, com destaque para Mestre Gercino, realizou o evento que levou como título de “Paralelo XX”. Um evento realizado em 2003, em Belo Horizonte, que teve como objetivo contestar o privilégio concedido a alguns grupos culturais, mediante a exclusão de muitos outros e, sobretudo, promover a preservação do patrimônio imaterial afro-brasileiro e indígena visibilizando suas Mestras e Mestres de tradição.
Diante do resultado e diante da necessidade de combater a política de exclusão das manifestações afro-brasileiras e indígenas, e o protagonismo de seus reais mantenedores, o evento foi repensado e levado para a região da Lapinha, em Lagoa Santa. Um local com grande potencial turístico em razão de sua natureza privilegiada, de fauna e flora exuberantes, clima ameno e seculares formações rochosas, porém, em certa medida, esquecido. Confluindo com o fato de estar localizado na cidade de Lagoa Santa um dos mais antigos sítios arqueológicos das Américas, o título do evento, Lapinha Museu Vivo, agregou tais aspectos históricos, sociais e culturais, materiais e imateriais, com a presença viva das Mestras e Mestres de tradição, seus conhecimentos, saberes, manifestações culturais e religiosas.
Em confluência com a história do território de Lagoa Santa, que é tanto material quanto imaterial (subjetiva), por ter sido o berço da civilização mais antiga das Américas, uma vez que na região da gruta da Lapinha foi encontrada a ossada datada em cerca de 11 mil anos e os restos da caçadora-coletora apelidada de Luzia. Fato histórico que nos remete à presença de manifestações culturais na localidade, para além do fenômeno do colonialismo. Além de Luzia, foi encontrado “um complexo de sete sítios pré-históricos situado na região de Lagoa Santa. Todas as ossadas ostentavam características afro-aborígines e idade estimada em cerca de 9 mil anos” (Pivetta, 2012). O conhecimento da história e o reconhecimento na memória são poderosos mecanismos de construção subjetiva, reconhecimento identitário e fortalecimento das diferenças humanas como pressupostos de possibilidades pluridiversas de existência, à contrapelo do entendimento de diferenças serem reduzidas a parâmetros de inferioridade e superioridade. .
Dentro do contexto social e político, de subjugação secular desses povos, o Lapinha Museu Vivo, com suas características de um festival, tem em sua essência o objetivo de uma pesquisa contínua e vivencial, junto às Mestras e Mestres e suas tradições, difundir por vários meios e ferramentas aspectos dessas tradições, salvaguardando a memória e produzindo memória, preservando o patrimônio cultural material e imaterial, buscando assim apreender e propagar, a partir das narrativas daqueles que estão trilhando essa trajetória há muitos anos, suas práticas contra-coloniais de combate às amarras da colonialidade e aos modos de vida capitalista e individualista que devastam identidades, corpos e terras. As formas como a liberdade são praticadas e os meios de conquista de espaço onde podemos SER é um ensinamento que fortalece e direciona as novas gerações.
O Lapinha carrega ainda, como parte de suas finalidades, um caráter eminentemente pedagógico-formativo, por agregar em um mesmo evento, temáticas e metodologias que visam a sensibilização do público para as condições de existência e convivência nas sociedade contemporâneas.